Por Carlos Alberto Maia Guerra
INTRODUÇÃO
Sem dúvida você já leu ou ouviu falar sobre o Guia do Mochileiro das Galáxias [1], escrito por Douglas Adams, um ateu radical que o concebeu durante uma crise existencial. Esta obra é considerada um dos maiores clássicos da literatura de ficção científica e narra as aventuras espaciais de dois personagens.
Eclesiastes 1.2 – “Vaidade de vaidades, diz o pregador; vaidade de vaidades, tudo é vaidade” (JFA-RA)
Sobre o autor
No livro de Eclesiastes, vemos que o autor também “está enfrentando algum tipo de crise. É em torno desta crise que se encontra a mensagem do livro” [2]. Segundo Derek Kidner, utilizando a sabedoria como base: “ele é um explorador. Ele se preocupa com as fronteiras da vida e, sobretudo, com as perguntas que a maioria de nós teria medo de levar até às últimas consequências”. Na sua jornada para descobrir o sentido da vida, o autor de Eclesiastes, diferente de Adams, não é um ateu. Ele enxerga a vida de modo realista, sua jornada é na terra e não espacial, e relata suas experiências, sua tentativa de dominá-la e chega a uma conclusão inevitável.
Eclesiastes compõe, junto com outros seis livros, a terceira divisão da LXX. O autor se autodenomina pregador [3] e se apresenta como “filho de Davi, rei em Jerusalém” (Ec 1.1). O livro é uma “...amostra israelita de uma tradição literária largamente atestada no antigo Oriente Próximo, conhecida como ‘literatura sapiencial’” [4]. Para compreender Eclesiastes, é interessante entender como o autor estruturou sua obra. Ela possui uma introdução e uma conclusão que servem de moldura (Ec 1.1; 12.9-14); e um conteúdo onde o autor utiliza um inclusio, com o termo hebraico הֶבֶל (hebel) [5], presente no início (Ec 1.2) e no fim (Ec 12.8), alertando o leitor para o tema central.
Você pode se perguntar: Por que ler este livro antigo? Qual sua importância e relevância para minha vida atualmente? Eclesiastes teve uma profunda influência na literatura ocidental. Thomas Wolfe, romancista americano, descreve Eclesiastes como: “[...] o mais nobre, o mais sábio e a mais poderosa expressão da vida do homem sobre a terra — e também a maior das flores da poesia, eloquência e verdade. [...] é a maior obra singular de literatura... e a sabedoria expressada nele é a mais duradoura e profunda” [6].
Adams, ao final da saga, apresenta Arthur, um dos personagens, refletindo sobre o mistério da vida na terra: “Toda a minha vida eu sempre tive uma impressão estranha, inexplicável, de que estava acontecendo alguma coisa no mundo, uma coisa importante, até mesmo sinistra, e ninguém me dizia o que era” [7]. Adams, logo na capa da sua obra, alerta: “não entre em pânico”. Ele explora questões profundas como o sentido da vida, amor, felicidade e religião. Destaca a importância da diversão, debochando da burocracia, dos políticos, da "alta cultura" e de diversas instituições atuais. Segundo Jerry M. Hullinger: “[...] a vida é misteriosa e há muitas questões sem resposta mesmo quando vivemos sabiamente” [8]. Após muitas ponderações, sobre as grandes questões da vida, o pregador conclui que o verdadeiro contentamento está em Deus, finalizando o livro com um mandamento: “...Teme a Deus, e guarda os seus mandamentos; porque isto é todo o dever do homem” (Ec 12.13).
Portanto, mesmo em crise existencial, não é necessário colocar a mochila nas costas e sair pelo mundo, nem ir para outra galáxia, para compreender o sentido da vida. Embora o diálogo em Eclesiastes utilize a sabedoria do antigo Oriente, é importante aprender com o pregador a ver a vida não de forma pessimista ou vitimista, mas sob a ótica divina. Com ele, aprendemos que Deus está no controle de tudo e tem muito a oferecer para os seus filhos, se decidirmos segui-lo, por isso “não entre em pânico” diante das vicissitudes da vida. Ele adverte que a busca por prazer, felicidade e realizações é inútil. No entanto, Deus concede alegria, paz e vida abundante, pois como afirmou Agostinho, em suas Confissões: “nossos corações não se aquietam até que descasemos em Deus”.
[1] A ideia do livro ocorreu durante uma de suas aventuras, na qual realizou uma longa viagem pela Europa até Istambul, capital da Turquia. Durante a viagem em um momento de crise existencial, observando freneticamente deprimido as estrelas no céu de Innsbruck, na Áustria, o escritor imaginou que fazer uma viagem pelo espaço teria sido uma ideia muito melhor.
[2] HULLINGER, Jerry M. Aula número 4: “Gênero 3: Literatura Sapiencial”. Introdução à Hermenêutica. Caderno do Aluno – BIN500. Carolina do Norte, 2024.
[3] No hebraico o termo קֹהֶלֶת (Qoheleth), foi traduzido na versão grega LXX por Ἐκκλησιαστής (Ekklēsiastēs), ele se autodenomina pregador, mestre, sábio (nas versões da Bíblia em Português). Concordância Strong, disponível em: https://biblehub.com/hebrew/6953.htm. e Swete's Septuagint, disponível em: https://biblehub.com/hebrew/6953.htm. Acessados em: 28/05/2024.
[4] EATON, Michael A.; CARR, G. Lloyd. Eclesiastes e Cantares. Introdução e Comentário. 1ª ed. São Paulo: Sociedade Religiosa Edições Vida Nova e Associação Religiosa Editora Mundo Cristão, 1989. p. 33.
[5] O termo pode ser traduzido como: Vapor, respiração, ilusão, fugaz, fútil, vaidade. Segundo Concordância Strong, disponível em: https://biblehub.com/hebrew/1892.htm. Acessado em: 28/05/2024.
[6] Artigo Eclesiastes. https://pt.wikipedia.org/wiki/Eclesiastes. Acessado em: 28/05/2024.
[7] ADAMS, Douglas. Guia do Mochileiro das Galáxias. Sextante. e-book. p. 184.
[8] HULLINGER, Jerry M. Aula número 4: “Gênero 3: Literatura Sapiencial”. Introdução à Hermenêutica. Caderno do Aluno – BIN500. Carolina do Norte, 2024.
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